quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Os "pormenores" que faltam

"Como qualquer fenómeno social, também as variáveis da criminalidade estão dependentes de factores de ordem objectiva e subjectiva. Independentemente dos indicadores socioculturais e económicos terem um peso determinante na sua evolução, há aspectos que, invariavelmente, são remetidos à importância de "pormenor" e, por isso mesmo, encontram-se ausentes no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI).

O manifesto aumento da criminalidade, comprovado com a publicação do RASI 2008, não tem só na sua raiz factores subjectivos de ordem socioeconómica, decorrentes do aumento do desemprego e dos fluxos migratórios. Há que chamar as coisas pelos nomes. O aumento da criminalidade resulta objectivamente, numa das suas vertentes, de uma estratégia de segurança interna errónea que teima em ser cega para os "tais" pormenores.

Não é que estas matérias nunca tenham sido ponderadas ou tidas por sérias… O próprio MAI, aquando da reestruturação das forças de segurança, assumiu como prioridades o reforço da componente operacional, a nível humano e material, uma necessária implementação de modelos de policiamento assentes na proximidade e na prevenção e ainda uma nova planificação da formação policial.

É exactamente aqui que reside o cerne da questão… Tal como ontem, também hoje o número de elementos a desempenhar serviços operacionais é insuficiente, sendo que, no caso da Guarda, chegou mesmo a aumentar o número de elementos a desempenharem actividades burocráticas, logísticas e de apoio. Contudo, honra seja feita: o RASI afirma, e com toda a verdade, que a actividade operacional aumentou. De facto a actividade operacional aumentou, não pela afectação de mais operacionais, mas pelo aumento das cargas horárias imposta aos profissionais. Assim sendo, não será estranho que o "horário de referência" para a GNR assumido pelo Sr. Primeiro Ministro José Sócrates esteja, desde 2006, encerrado na gaveta, a aguardar melhores dias.

A par disto, a gritante falta de meios básicos, com que os profissionais das forças de segurança se debatem, tem sido camuflada por intervenções da Tutela que representam investimentos residuais e cujos números falam por si: o que dizer da aquisição de 1000 coletes antibala ou 10 000 pistolas, quando só o efectivo da PSP e da GNR ronda os 50 mil? Quanto à formação, há pouco a dizer… Apesar da Resolução do Conselho de Ministros n.º 44/2007 prever formação conjunta para a GNR e a PSP para o ano lectivo 2008/2009, esta foi mais uma intenção que não passou disso mesmo.

Outro "pormenor" - o RASI 2008 faz tábua rasa da evolução de novos tipos de criminalidade, como a grupal e a juvenil, ao mesmo tempo que não aponta insuficiências nas forças de segurança. Identificarem-se e analisarem-se estes tais "pormenores", que não o são de todo, seria um primeiro passo para se intervir de facto, para se tentar alcançar uma segurança pública mais eficaz, com uma imagem de solidez aos olhos do cidadão, ao invés de ser ela própria geradora do sentimento de insegurança que actualmente reina na sociedade portuguesa.

Por fim, se os 10,7% de aumento da criminalidade violenta só por si são inquietantes, a estratégia de segurança para 2009 apresentada pelo MAI traz novas preocupações. A criminalidade está consciente que tem um terreno fértil para florescer. Além dos tais factores de ordem subjectiva e que, segundo os indicadores socioeconómicos, tendem para o agravamento, os agentes policiais continuam a estar manifestamente impreparados para fazer face à evolução do fenómeno criminal que, de forma dinâmica e acelerada, vai-se adaptando às realidades propostas em cada contexto social. A es- tratégia para 2009, uma peça exemplar do marketing moderno, é vazia de medidas capazes de fomentar a eficácia da segurança pública prestada. O empolamento de questões como a videovigilância e a abertura de concursos de ingresso na GNR e na PSP, não significam nem mais polícias na rua, nem um reforço da actividade operacional. Uma câmara de vigilância não é um polícia capaz de actuar, e um concurso não passa de um procedimento normal em qualquer instituição pública que todos os anos tem elementos que se aposentam…

Posto isto, só lamento que estes "pormenores" estruturais estejam ausentes do RASI."

PRESIDENTE DA APG/GNR

Fonte: Jornal Diário de Notícias, de 13 de Abril de 2009

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